Se você já fez um checkup médico, com certeza passou por uma enorme quantidade de análises sem, muitas vezes, saber o que cada uma delas significa. E, com certeza, o exame de hemoglobina glicada foi um deles.
Conhecido também por sua abreviação, HbA1c, é um dos mais pedidos para o diagnóstico de diabetes e é o principal utilizado para o controle do tratamento. Ou seja, é fundamental para manter a saúde em dia.
Quer entender mais sobre esse exame, como se preparar, como interpretar os resultados e tudo sobre diabetes? Então continue a leitura!
O que é o exame de hemoglobina glicada?
A hemoglobina glicada é um exame muito importante, pois identifica a média dos níveis de glicose no sangue nos 90 dias anteriores ao exame. Então, o médico consegue definir se o tratamento está sendo eficiente a longo prazo, se o paciente está seguindo as orientações e se há um risco aumentado de doenças devido ao diabetes mellitus.
Isso é possível, pois ele mede a quantidade de glicose que está ligada à hemoglobina — a proteína responsável pelo transporte de oxigênio e que dá a cor vermelha ao sangue. Quando a glicose entra na corrente sanguínea, ela se liga à hemoglobina das hemácias, que têm a vida média de 90 a 120. A quantidade de hemoglobina ligada à glicose (glicada) é proporcional aos níveis de glicose no sangue.
Já o tradicional teste de glicemia de jejum mede diretamente a quantidade de açúcar livre no plasma do sangue — que é influenciado principalmente pela dieta da pessoa no dia a dia e reflete apenas os níveis das últimas 24 horas. Por essa razão, não é tão útil para avaliar o tratamento.
Para que serve o teste de hemoglobina glicada e como é feito?
A hemoglobina glicada é feita como um exame de sangue normal. Você vai ao laboratório e coleta um tubo de ensaio de sangue. Para a dosagem de HbA1C, é preciso usar um anticoagulante específico — geralmente, o EDTA. Essa padronização é importante para a fidelidade dos resultados.
De acordo com as recomendações atuais da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), a grande vantagem é que não é preciso fazer nenhum jejum. Contudo os triglicérides altos (hipertrigliceridemia) podem deixar o sangue mais turvo. Como essa doença é comum no diabetes, o ideal é esperar duas horas depois de uma refeição para fazer o exame.
A amostra é, então, inserida em máquinas automatizadas que seguem o padrão da National Glycohemoglobin Standardization Program, ou NGSP como é conhecida. Com isso, os resultados podem ser utilizados para diversas condutas médicas.
Diagnóstico e conduta inicial
Até alguns anos atrás, a glicemia de jejum e o teste de tolerância à glicose eram considerados os melhores exames para o diagnóstico de diabetes mellitus. Afinal, o teste de hemoglobina glicada ainda não estava muito bem padronizado e era difícil encontrar laboratórios que o fizessem de acordo com as principais pesquisas científicas.
Hoje em dia, a maioria deles já disponibilizam testes que seguem todas as recomendações da NGSP. O órgão criou uma certificação para que os resultados sejam compatíveis com os estudos publicados sobre a correlação entre os níveis de HbA1C e as complicações.
De acordo com os critérios da Associação Americana de Diabetes de 2019 — a recomendação mais atualizada até o momento, para que seja confirmado o diagnóstico de diabetes mellitus tipo 2, é preciso atingir os seguintes requisitos:
- glicemia de jejum maior ou igual a 126 mg/dL; TOTG maior ou igual a 200 mg/dL ou hemoglobina glicada maior ou igual a 6,5%;
- pacientes com glicose plasmática aleatória maior ou igual a 200 mg/dL e sinais de hiperglicemia ou crise hiperglicêmica (emagrecimento rápido, micção exagerada e frequente, sede excessiva);
- a menos que haja sintomas, é preciso fazer dois exames na mesma amostra de sangue ou em duas amostras diferentes.
Nesse sentido, para confirmar o diagnóstico, os médicos podem pedir que o paciente faça simultaneamente um exame de glicemia de jejum e um de hemoglobina glicada. Outra possibilidade é a realização de duas hemoglobinas glicadas — ou duas glicemias de jejum — em dias diferentes. Caso ambos resultados estejam alterados, é estabelecido o diagnóstico de diabetes. Se eles forem divergentes, recomenda-se pedir um terceiro teste.
Hoje em dia, o Teste oral de tolerância à glicose (TOTG) tem caído em desuso e apenas é reservado para situações muito específicas, como a gravidez. De acordo com as recomendações, a hemoglobina glicada é o método padrão-ouro devido às suas vantagens, como:
- maior padronização;
- mais conforto para o paciente, uma vez que não é necessário fazer jejum;
- menor chance de ocorrência de erros pré-analíticos;
- menor influência de fatores imediatos, como estresse e mudanças na dieta para burlar o exame.
No caso de diabetes mellitus tipo 1 (DM1), geralmente a doença é identificada em contexto de crises hipoglicêmicas em que o paciente sofre alterações da consciência, como confusão e desmaios. Então, além dos critérios anteriores, está uma crise hipoglicêmica em crianças e adolescentes ou ocorrência prévia de cetoacidose. Nesse caso, ocorre a destruição das células produtoras de insulina no pâncreas e a dependência de insulina externa. Na DM tipo 2, devido a fatores genéticos e ao sobrepeso, a insulina é produzida, mas não é reconhecida pelas células do corpo.
Além do diabetes, a última atualização da Sociedade Brasileira de Diabetes também considera o estágio de pré-diabetes. Ele ocorre quando os resultados de hemoglobina glicada são maiores do que 5,7%, mas menores do que 6,5%.
Ademais, os números iniciais podem indicar como deverá ser feito o tratamento inicial de diabetes tipo 2:
- na faixa de pré-diabetes, somente medidas de mudança de hábitos de vida, como perda de peso, dieta hipocalórica e exercício físico, são recomendadas. Também, indica-se um exame de hemoglobina glicada anual;
- se HbA1C estiver entre 6,5% e 7,5%, recomenda-se utilizar apenas um hipoglicemiante oral;
- se HbA1C for maior ou igual a 7,5% e menor ou igual a 9%, pode-se iniciar com dois hipoglicemiantes orais;
- se HbA1C for maior ou igual a 9%, deve-se iniciar a insulinoterapia em associação aos hipoglicemiantes.
Isso se deve ao fato de cada hipoglicemiante oral reduzir cerca de 0,6% a 1,21% da hemoglobina glicada. Como o alvo da terapia é manter a HbA1C em torno de 7% em adultos. A partir de 9%, não é possível atingir as metas com os hipoglicemiantes orais, sendo necessário iniciar uma terapia com insulina. Em todos os casos, as mudanças de hábitos de vida são essenciais.
No caso dos idosos, devido ao risco de hipoglicemia, os alvos terapêuticos são mais frouxos — entre 7,4% e 8,5% de acordo com a condição clínica. Nas internações e nas cirurgias, a meta fica próxima aos valores superiores.
Eficácia do tratamento
Depois do estabelecimento da terapia inicial, é hora de avaliar a eficácia do tratamento. Não se assuste se o controle do diabetes demorar um pouco, leva um tempo até o médico ajustar a medicação para cada paciente. Por isso, inicialmente, as consultas são agendadas em um prazo mais curto, cerca de 1 a 3 meses até o alcance da meta. Então, passam a ser de seis em seis meses.
Geralmente, a primeira medicação a ser implementada é a metformina, visto que é capaz de reduzir a hemoglobina glicada em até 1,21%. Caso a meta não seja atingida, o médico verifica se a adesão ao tratamento está correta e se a mudança de hábitos de vida foi implementada. Em caso positivo, acrescenta-se uma segunda medicação oral. Se ela também falhar, pode-se acrescentar uma terceira ou iniciar a insulinoterapia.
Caso o médico inicie com a insulina, no início, haverá um monitoramento mais próximo com consultas mensais. Além da hemoglobina glicada, ele também vai requisitar um “mapa glicêmico”, cujas medidas são feitas com medidores de glicose portáteis (glicosímetros). Eles são aqueles equipamentos que medem o nível de açúcar no sangue com uma gota de sangue dos dedos em uma tira. Assim, você vai medir sua glicose quando acordar e após as principais refeições.
Dessa forma, poderão ser feito ajustes na dose e nos horários da insulina até atingir um tratamento otimizado. Com isso, o objetivo é reduzir os efeitos colaterais e os percentuais de hemoglobina glicada de forma mais intensa e racional.
No caso de diabetes tipo 1, o tratamento inicial já é feito com a insulina, visto que o corpo não a produz de forma suficiente. Então, é preciso utilizar a forma fabricada. O monitoramento envolve o ajuste da dose, equilibrando insulinas de curta e de longa duração. Porém, nesses casos, a dosagem diária pelo paciente com o glicosímetro é o parâmetro mais indicado para os ajustes. Mesmo assim, a realização da hemoglobina glicada é importante para a estratificação do risco de outras doenças.
Adesão ao tratamento
Alguns diabéticos podem ser bastante resistentes à adesão ao tratamento — tomando os medicamentos de forma irregular e abandonando a dieta. Para evitar “sermões” dos médicos, eles acabam mudando a alimentação somente nos dias anteriores à realização do exame. Com isso, é possível burlar a glicose de jejum, que é um retrato da glicemia nas últimas horas.
No entanto, como a glicada pega até 90 dias anteriores, esse truque não tem nenhum efeito sobre o exame. Por conseguinte, o médico pode orientar melhor o paciente a seguir as mudanças de hábito de vida — uma parte essencial do tratamento, mas mais difícil de aderir.
Risco aumentado de doenças
Uma das grandes revoluções do tratamento do diabetes mellitus ocorreu quando um grande estudo demonstrou a relação dos níveis de hemoglobina glicada com a ocorrência de complicações. A pesquisa Diabetes Control and Complications Trial (DCCT) — uma das principais pesquisas sobre a DM acompanhou 1441 diabéticos por, em média, 6 anos e encontrou vários riscos de complicações nos resultados. Confira quais são a seguir.
Hemoglobina glicada de 8%
Pessoas com hemoglobina glicada média de 8% apresentavam os seguintes riscos quando comparados a pessoas que mantinha a HbA1c abaixo de 6%:
- três vezes maior de retinopatia;
- três vezes maior de nefropatia;
- duas vezes maior de neuropatia;
- duas vezes maior de microalbuminúria.
Hemoglobina glicada de 9%
- retinopatia: 8 vezes;
- nefropatia: 6 vezes;
- neuropatia: 4 vezes;
- microalbuminúria: 3 vezes.
Hemoglobina glicada de 10%
- retinopatia: 9 vezes;
- nefropatia: 7 vezes;
- neuropatia: 4 vezes;
- microalbuminúria:3 vezes.
Hemoglobina glicada de 11%
- retinopatia: 13 vezes;
- nefropatia: 10 vezes;
- neuropatia: 6 vezes;
- microalbuminúria: 4 vezes.
Hemoglobina glicada de 12%
Aqui, os riscos se tornam elevadíssimos e põem em risco a sobrevida imediata dos pacientes:
- retinopatia: 20 vezes;
- nefropatia: 15 vezes;
- neuropatia: 7 vezes;
- microalbuminúria: 5 vezes.
Essas complicações são responsáveis pela cegueira, pela doença renal crônica e a amputação de membros. Como você deve ter percebido, a cada 1% da hemoglobina glicada, os riscos aumentam em ritmo praticamente exponencial. Desse modo, o controle é imprescindível, visto que diminuir em apenas 1% corta em quase 40% o risco da maioria das complicações.
Além das doenças microvasculares, o diabetes também compromete a saúde das grandes e médias artérias e veias. A Doença Vascular Periférica (DVP) é responsável pela maioria das amputações dos membros inferiores dos diabéticos. Ela causa o enrijecimento dos vasos e o acúmulo de placas de colesterol em seu interior. Com isso, sua capacidade de levar oxigênio para os membros é reduzida.
A DM também pode levar ao surgimento de doenças obstrutivas. A Doença Arterial Coronariana (DAC) afeta as principais artérias do coração e causa infartos graves. Felizmente, a cada 1% de hemoglobina glicada reduzida com o tratamento, é possível reduz os riscos dos piores desfechos em:
- 43% de amputação de membros ou óbitos por DVP;
- 14% de infarto fatal e não fatal;
- 21% de óbitos relacionados ao diabetes;
- 21% de qualquer desfecho negativo relacionado a DM;
- 37% de doenças microvasculares.
Esses resultados foram encontrados por um amplo estudo no Reino Unido com mais de 5000 pacientes em acompanhamento por cerca de 20 anos — o UKPDS. Sem o tratamento adequado, 44% dos diabéticos morreram em 10 anos. Portanto, é importantíssimo monitorar a hemoglobina glicada a cada 6 meses ou conforme orientação médica.
Como interpretar o exame?
Nos itens anteriores, falamos a respeito da interpretação de acordo com cada finalidade do exame. A seguir, vamos resumir as principais conclusões:
- após duas hemoglobinas glicadas acima de 6,5% ou uma hemoglobina glicada maior ou igual a 6,5% mais uma glicemia maior ou igual a 126 mg/dL, é possível confirmar o diagnóstico de diabetes;
- se os resultados forem entre 5,7% e 6,4%, o paciente está em estágio de pré-diabetes;
- para o tratamento, os níveis desejados são abaixo de 7,0% em adultos e entre 7,4% e 8,5% em idosos conforme sua condição clínica;
- a cada 1% de hemoglobina glicada reduzida com o tratamento, você reduz o risco de doenças microvasculares em 37% e macrovasculares em 21%. Então, mesmo que o tratamento demore para chegar ao alvo, não desanime, pois você já está colhendo benefícios;
- a redução com os hipoglicemiantes orais é menor e tem um limite. Nas doses máximas de metformina, diminui-se cerca de 1,21% da hemoglobina. Então, pode ser necessário utilizar até outros dois hipoglicemiantes orais e a insulinoterapia para controlar a doença. Se os níveis iniciais forem muito altos, já é possível começar um tratamento mais intenso;
- durante a gestação, os valores também se modificam e a hiperglicemia pode ser transitória e limitada à gravidez (diabete gestacional). Então, os testes de TOTG e de glicemia de jejum são mais adequados;
- se iniciar o tratamento logo no início da doença e mantiver os níveis abaixo de 7%, o risco é praticamente o mesmo de uma pessoa saudável.
Além disso, é possível fazer uma comparação dos níveis de hemoglobina glicada com a glicemia média no período de 90 dias:
- 6,0% de HbA1C se relaciona com uma glicemia média de 135 mg/dL;
- 6,5% — 152 mg/dL;
- 7% — 170 mg/dL;
- 8% — 205 mg/dL;
- 9% — 240 mg/dL;
- 10% — 275 mg/dL;
- 11% — 310 mg/dL;
- 12% — 345 mg/dL.
Lembrando que esses valores não são o da glicemia de jejum, mas da glicemia aleatória — que é feita sem jejum e a qualquer hora do dia.
Como se preparar para o exame e quais as possíveis limitações?
Como explicamos, não é preciso fazer nenhum jejum e a única precaução é evitar realizar o exame próximo a refeições. Dentro dos testes de glicemia, a hemoglobina glicada é a mais completa e a que sofre menos influências de outras variáveis. Entretanto ainda há algumas limitações:
- as anemias, por alterarem a quantidade de hemoglobina no sangue e aumentarem a sobrevida das hemácias, alteram os resultados do exame. Por essa razão, os médicos devem pedir a HbA1C junto com um hemograma;
- pacientes com anemia falciforme e talassemias também precisam de um cuidado maior na hora de interpretar o exame;
- altas doses de AAS para prevenção de doenças coronarianas também reduzem a confiabilidade dos resultados. No entanto, devido às consequências graves da falta da medicação, não se deve interrompê-la para fazer o exame;
- o uso de doses elevadas de vitamina C e E podem reduzir falsamente os níveis de HbA1C, devendo ser evitados em diabéticos;
- o alcoolismo crônico e o uso crônico de opiáceos (morfina e anestésicos) demandam mais cuidado na hora de interpretar o exame;
- pacientes com doenças hepáticas que elevam a bilirrubina, causando a icterícia (amarelão), também podem ter resultados falseados.
Portanto, o exame de hemoglobina glicada é um dos mais importantes para o acompanhamento do diabetes mellitus do tipo 1 e 2. Com ele, é possível monitorar a eficácia do tratamento, estratificar o risco de doenças e consequentemente conquistar uma melhor qualidade de vida. Então, não deixe de realizá-lo frequentemente de acordo com a orientação do seu médico.
E aí, é muita informação, não é mesmo? Mas elas são essenciais para o seu tratamento! Caso tenha ficado alguma dúvida, comente aqui no nosso post.
Bom dia
Sou portador do topo 2, mas está matéria foi muito esclarecedora e serviu para tomar consciência dos riscos que sofremos. Fico grato pelas informações.